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Livro Retratos da vida aldeana Paulo Leitão Batista

Livro: Retratos da Vida Aldeana
Autor: Paulo Leitão Batista
Editora: Edição de autor
1999
Peso: 150 g
Pela meada de Janeiro, o Tonho Ladeiro matou o marrano. Bem cevado estava o animal, pela tanta bolota, botelhas e maças das caídas que emborcara. Lá nisto, no trato do bácaro, tinha a sua Marisabel grande brio. Botava-lhe vianda ao amanhecer e à noite e fazia-lhe a cama uma vez ao dia. Queria-o ver limpo e cevadinho. Retinha-o, à cautela, bem trancado, fora de visitas, não fosse alguém botar-lhe o mau olhado, embora a sabedoria popular considere o porco como isento de tal acometimento. Só quando o capador da Nave por ali passou, como ocorria todos os anos em Outubro, a mulher permitiu que se trouxesse para a rua, por mor da clareza. - Isso é que é porco, mulher! – disse-lhe o capador - é a animais bem cevadinhos, como este, que eu gosto de sacar as partes. - Ora, veja lá, senhor Varandas! Não lhe deixe aleijão. - Não corre perigo! Estamos em quarto minguante, nestes dias as capaduras não incham. No dia da matança o cochino mandava-se para as nove arrobas. Embora atarracado, de pernas curtas, era comprido e encorpado, com valentes presuntos, que mal lhe deixavam notar as jogas. Logo pela manhã, ao nascer do sol, lhe chegaram a casa o João Bilé mais a Teresa e os catraios, que eram primos do Tonho e que todos os anos se ajudavam nas matanças. Veio também a Rosa do Lucas, mulher batida no apular do sangue e na alipança das tripas. E não faltou o Manel Mourão, para o qual não havia pai na arte de espetar a faquita no pescoço do marrano, em direituras do coração. Mataram o bicho, rilharam uma côdea, e ala, que o serviço espera. O Tonho Ladeiro enfiou-se no cortelho, de laço na mão, disposto a atar o animal para o conduzirem ao curral. Cirandou, cirandou pelo chiqueiro, reco, reco, a coçar o lombo do cochino, mas sem ser capaz de lhe botar a corda à pata, como era de regra. - Bota-lha ao cachaço Tonho, que dá o mesmo – indicou-lhe o Mourão. E o Ladeiro meteu-lhe o laço às golas. Só que o bicho, ao sentir coisa estranha a apertar-lhe, mandou um pulo em direcção ao cancelo, e lançou-se em fuga. O homem que tinha atado a ponta da corda ao pulso, caiu no esterco e foi arrastado, até que os outros se lançaram ao porco e o fizeram especar. - Que força tem o marrano! Vai custar a segurar. O Ladeiro levantou-se de camisa branca ajavardada e de cara embostada. - Ui home! Cheiras mal ca’pestas! Vai mudar ao menos de camisa - aconselhou-o o Bilé. - Qual quê? Primeiro o servicinho! Todos à vez agarraram o animal e quedaram-no em riba do banco. O Mourão lavou então a faca na água de um caldeiro e beijou-lhe a lâmina em apurado ritual. Vamos ver se bota boa sangria. Até agora, desde que mato e limpo, nunca me deixei ficar mal. Aplicou-lhe a faca ao fundo do gasnete, depois de apalpar e tomar o ponto certo, e fê-la penetrar. O porco grunhiu ao sentir o aço. Esperneou, mas foi mantido quedo pelos que o seguravam. A Rosa do Lucas apulou o jarro de sangue para uma selha, onde previamente deitou uma mão-cheia de sal, remexendo-o com uma colher de pau, não fosse coalhar. Depois de dar as últimas, chamuscaram-lhe o cabelo com alumieiras de palha centeia e lavaram-no com abundância de água, esfregando-lhe pedras no lombo. Acto contínuo, sacaram das naifas, afiadas a preceito nas agucinas das gadanhas, e iniciaram o barbear do porco, livrando-o dos cabelos que haviam escapado ao fogo e das sujidades não removidas pelo esfregar das pedras. Após limpo de ambos os lados, meteram-lhe o chambaril nos jarretes das patas traseiras, pegaram-lhe todos à vez e alombaram-no para a palheira, onde o dependuraram numa trave. Aberto o animal, admirado por todos, deixou-se ficar coberto pelo soventre estendido sobre as banhas que se haviam arrancado. Depois foi a comezaina, em que todos se atiraram à farta mesa, composta das melhores iguarias, muitas ainda da matança anterior. Esta era jornada familiar e ponto de encontro entre amigos muito chegados, seguindo um ritual antigo de ajuda mútua e tempero do fole, que poucas vezes ao ano se enchia com tantos e tão bons paladares.
Gastronomia / Culinária / Matança do porco / Tradições populares
Ref. D6735-OM
Preço: 24,99€ - FOTOS ADICIONAIS